Astúrias,
Somiedo – Outubro de 2016
A alma e a
matéria pediam paz, descanso. A fartasana da imensidão do quotidiano para ganhar
alguns trocados para viver punha-me já a cair aos bocados.
Coloquei-me
vários itinerários e depois de ir excluindo ficou só um…Somiedo nas Astúrias,
sendo que a primeira escolha…A Palanca um sonho muito desejado mas que o bom
senso diz que não o devo fazer só e na indisponibilidade de alguém com experiência e conhecedor me acompanhar adoptei o referido e com a intenção de
executar uma rota já traçada…atingir “ El Cornón de Peñarrubia e Penouta”
Previsão de partida para as quatro
da manhã, viatura carregada descobri um problema técnico. Um fusível tinha de
ser substituído…coisa simples substituir um fusível de 10 amp…claro nas viaturas
de agora é necessário desmontar meio carro para aceder ao mesmo.
Finalmente resolvido arrancamos pouco faltava para as onze da manhã. A
viagem fez-se bem com Sol até que chagados a Santa Maria del Puerto (porto de Somiedo)
avistamos nevoeiro e na descida para e até Pola de Somiedo foi sempre imenso e denso,
não sabia onde estava nem por onde andava sendo a temperatura de sete dez grau centígrados.
Nevoeiro, frio muita humidade. Compramos pão, descarregamos a bagagem e
preparada a actividade para o dia a seguir jantamos.
O silencio era profundo, interrompido aqui e ali pelo som das
corujas…maravilhoso.
A minha alvorada faz-se sempre cedo para grande irritação da Margarida.
Posta a cabeça de fora…estava pior que no dia anterior no que se refere ao
nevoeiro. Pola de Somiedo fica no fundo de um vale rodeado de montanhas, a
partir da meia encosta nada se via…tristeza pegada. Actividade prevista anulada
ficamos todo o dia na povoação.
A meio da manhã quando nos dirigíamos a igreja
do Povoado saia de lá uma Senhora que ao ver-nos com a intenção de entrar nos
interpelou questionando em Castelhano obviamente…Bom dia vão entrar? Já conhecem
a igreja? De onde são? Então eu vos acompanho para vos contar um pouco daquilo
que vão encontrar e vão achar estranho e porque…
Foi um momento de uma doçura que só o vivendo…
Vou descrever a Senhora, Ela merece-o.
Não mais de um metro sessenta cinco estatura normal vestida com algum
cuidado notava-se, cabelo bem arranjado e asseado uma bengala, botins e por
cima da roupa uma capa julgo que feita á mão em lã para aconchegar mais, uma
jovem Senhora, isso mesmo uma jovem Senhora, já dentro da Igreja e depois de a
escutar durante algum tempo, não sei quanto, o tempo parou enquanto estive com
a Maria, Maria assim se chama e quando lhe perguntei, Maria de?, respondeu com
a mesma simplicidade do seu nome, Maria, só Maria, meus pais me chamavam só de
Maria e não tenho mais outro nome que não seja Maria, por isso podes-me chamar
Maria. Senhora não…Maria.
Entrados na Igreja (românica), por dentro não original a Maria começou
por acender as luzes e também as do altar, assim chamado.
A Maria tinha tido razão o dito cristo era estranho notava-se ser um
vulgo cristo como tantos outros na posição de crucificado, com uma diferença,
não tinha braços!
A Maria então referiu, vês? Não tem braços e ficavas intrigado porque não
tem braços o cristo.
Disse vamos a beira para veres melhor, e ao passar na frente do altar a
Maria fez o gesto de ajoelhar e fez o sinal da cruz, passou olhou para trás
para ver o meu gesto que não foi nenhum, passei simplesmente…a Maria nada disse,
respeitou a minha postura sem fazer perguntas ou comentários e continuou com
toda a normalidade.
Ouvi a Maria num esboço ténue de carvão, sobre a sua vida e o porque do
cristo sem braços sendo esta história já com pinceladas de aguarela…
…desde ter ido para Somiedo com seis anos…eram de Madrid os Pais…ter
assistido á guerra cívil espanhola….ter visto os oficiais matar os próprios
soldados porque estavam feridos e atrasavam a marcha…o marido que trabalhava
nos “wagon-lits” e lhe levava uns bolos de que adorava com muita canela,
pasteis de Belém…teve um filho…os militares a arrancarem todo o soalho da igreja
em pranchas de carvalho grossas e o altar gótico em talha dourada com o cristo,
ainda com braços, fazerem uma fogueira que ardeu durante largos dias…isto para
transformar a igreja em cavalariça…e quando com pás removiam as cinzas para o
rio que ali passa ao lado o cristo não tinha ardido…e como não ardeu
mandaram-no assim para o rio…e toda a história até ir novamente para o altar
onde se encontra novamente já passados sessenta um anos…passa seis messes em
Somiedo e nos meses de frio vai para a casa de Madrid…
Mudando a bobine do filme ou passando á frente o MP4 não fizemos o que
tinha alinhavado mas lá andamos, descansando…no tempo em que lá estivemos não
ouvi rádio sequer musica, não vi televisão nem vasculhei a net…estado puro.
Somiedo conhecido também por ser um parque natural e ser habitat de
ursos…claro que não os vi nem sequer tentei saber nada sobre eles…mas chegado
de novo a Portugal e ligada a televisão só se vêm ursos….desculpem…saiu.
Deixo aqui algumas fotos para que respirem um pouco de tranquilidade/paz,
mas sem vos deixar de dizer que a Maria uma mulher com paz interior culta a
quem eu pedi para fazer uma “sefie” a minha primeira, eu a Maria e a Margarida,
acedeu prontamente com um sorriso luminoso e enorme gratidão…no “smartephone”
quando aparecemos no ecrã todos sorridentes…clik….clik uma ova no final do dia
quando peço á Margarida para me deixar ver as fotos do seu telefone a selfie
não estava lá…é o que faz quem não percebe nada da coisa…Por isso não há foto
Deseja-mos voltar a ver a Maria…
Deseja-mos voltar a Somiedo…Primavera talvez…
Li um texto que encaixa perfeitamente aqui:
"Tudo
que fizeres, faz com a alma. Quando falares, cuida das palavras. Quando
escreveres, regista com amor teus pensamentos para serem eternizados. Quando
ouvires alguém, assegura ouvir a alma de quem te oferece seus sentimentos.
Quando tocares em alguém, saibas que tocas o Sagrado."
A Maria é uma Senhora com noventa e um anos (91).
…e vemo-nos ai por esses caminhos…
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